quarta-feira, 19 de maio de 2010

A Série - S01E22

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Eu gostaria de ter começado me apresentando, contando minha história, dizendo de onde eu vim, quem é minha família, como eu cheguei até aqui, mas eu não podia. Minha língua estava por assim dizer atada por um dever que eu mesmo me impus. Eu sou um profeta, o profeta do apocalipse, e Martin Madusky é meu anticristo.

Meu nome é John Tarr Zane, meu pai era húngaro e minha mãe americana descendente de gregos, o velho imigrou para cá no começo dos anos sessenta, ele tinha uns 16, 17 anos. Logo se envolveu com uma espécie de gangue que ficava vagando pela cidade, mas que não representava nenhum perigo real. Ele conheceu minha mãe num desses passeios, ela tinha quinze anos e na primeira vez que meu pai a viu ela estava na saída do seu colégio de filhos de médicos e advogados, onde as meninas ainda usavam saia, camisa e lenço como uniforme. Depois daquele primeiro vislumbre (ele sempre dizia que tinha sido pra ele uma revelação, mas minha mãe achava que ele tinha se interessado muito mais pela presença de um monte de moças adolescentes que por ela em especial) meu pai passou a incluir a saída do colégio dela nos itinerários diários da sua gangue, até ter a coragem de se aproximar dela e a sorte de não ser violentamente rechaçado pelos seguranças do colégio. Ele começou então a levar minha mãe todo dia embora, eles escapavam para algum café ou ficavam andando à toa pela cidade, no mais completo ócio e na mais completa indiferença. Quando os pais dela, meus avós, perceberam o que estava acontecendo, era tarde demais: minha mãe estava grávida. Meu pai sempre disse que eles foram incrivelmente serenos, considerando o que tinha acontecido, e minha mãe nessas horas em geral se calava, mas visitávamos pouco os pais dela e, embora eu fosse só uma criança, percebia o clima solene que reinava na casa do senhor advogado Zane e sua esposa quando estávamos lá. Mas o importante mesmo é que eu nasci e cresci num ambiente muito bom e muito estranho, minha mãe adorava pintura, escultura, arquitetura, e meu pai era um espírito incrivelmente livre e sábio, um oráculo primitivo na minha vida. Por isso desde muito cedo me interessei por arte. Nós passeávamos em família no final de semana, uma lembrança da juventude dos meus pais, que fora tão abruptamente encerrada com o meu nascimento, e sentíamos verdadeiramente a cidade. Às vezes levávamos latas de tinta e fazíamos desenhos em paredes de terrenos baldios, o que devia ser uma cena muito estranha, um homem, uma mulher e uma criança pichando um muro. Acho que foi assim que eu descobri minha verdadeira vocação e meu verdadeiro desejo, de manipular o espaço, de criar figuras com volume, obras de arte por onde alguém pode andar, e, talvez, se perder. E foi assim que eu me tornei cenógrafo, que pode parecer um ofício menor para um artista, mas não é. Nos anos oitenta eu freqüentava com afinco um cineclube do centro onde passavam com freqüência os filmes de John B., que desde o primeiro fotograma se mostrou a mim como um visionário, um oráculo para minha juventude, e talvez para o resto da minha vida. Dessas paixões conjuntas nasceu meu ofício. Dessa história e de muitas outras nasci eu. Quando me iniciei na carreira de cenógrafo Eles acharam que meu nome era muito complicado, muito étnico, e me obrigaram a arranjar um pseudônimo. Deram para mim a alcunha de Johnny Tarzan, que eu uso até hoje. Esse sou eu.

E agora estou aqui, pelo menos do jeito em que se pode estar num maldito limbo. Fui enredado numa teia construída por Eles, uma teia que não tem aranha, mas da qual ninguém sairá vivo. Estamos todos presos, envolvidos pelo fio de teia e imobilizados. Olho ao meu redor e só vejo escuridão, os holofotes estão todos apagados, as câmeras estão todas cobertas, as portas estão se fechando e talvez não dê tempo de sairmos daqui de dentro. Está tudo a um passo da destruição, e entre os corpos curvados e as faces sombrias há o bobo da corte, que continua cantando a aurora, enquanto eu, o corvo da tempestade, anuncio o fim do mundo. Martin Madusky foi o que menos mudou com tudo o que aconteceu. Ele continua o mesmo sujeito mau humorado, fechado, arrogante, irresponsável. Ele não respeita mais nem mesmo John B., que estoicamente resiste. Kurt Belmondo está ficando maluco, Samantha Sugarcane está à beira de um ataque de nervos, os astros teen estão assustados, e não há ninguém na equipe que realmente acredite que algum dia essa série será gravada. Enquanto isso, Eles permanecem em silêncio. Só eu falo, só a minha voz é ouvida, mas tudo o que eu tenho para dizer é que todas essas pessoas estão se desintegrando, logo atingirão o ponto de saturação, e que essa maldita série em breve voltará para o nada, e então será como se ela nunca tivesse existido, a não ser para nós, que por todos esses meses vivemos seu horror. Essa é minha profecia.
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Um comentário:

João G. Viana/Pudim disse...
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