quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

A Série - S01E07

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Olá tudo bem nome é John. Claro que eu poderia me valer da famosa “fórmula James Bond” e me apresentar falando meu sobrenome, depois meu nome e sobrenome juntos. Mas eu sou proibido de falar meu sobrenome, por isso não falo. Sobrenome, sobrenome, sobrenome. Ninguém o conhece, só Eles, que assinam meus contratos. O resto das pessoas me conhece por John B., o diretor de “Dois Caminhos para Bortelega”, que é o título mais decente para essa Série que fui contratado para dirigir. Claro que o autor, Martin M., tinha outros títulos em mente, assim como eu cheguei a sugerir um ou dois além desse que eu já citei. Mas Eles resolveram por [censurado], que é uma bosta de título, convenhamos.

Sempre me perguntam por que eu não posso falar meu sobrenome, então eu já tenho meio que uma história pronta. Você ainda não perguntou, mas como eu já tenho meio que uma história pronta, não custa nada contar.

Você provavelmente conhece Eles, e Eles na verdade são sempre muito parecidos. Mas cada Emissora e Estúdio tem seus Eles, a despeito do que possa parecer. A questão é que se cada um dEles resolvesse agir de um jeito, Eles iriam perder força, por isso Eles têm seus próprios Eles, que na verdade são Eles mesmos, só que juntados numa coisa só. Essa Coisa são os Eles de tudo que existe, e a Coisa tem várias Coisas-menores ligadas a ela. Uma dessas Coisas-menores é nossa indústria de, como chama mesmo?, Cinema e TV!, e os Eles dessa coisa-menor, juntos com os Eles da Coisa, que na verdade são os mesmos Eles, criaram algumas regras para essa coisa-menor, que são regras que têm tudo a ver com as regras da Coisa.

Uma dessas regras é a de que diretores com o mesmo nome (especialmente diretores chamados John) não podem ter sobrenomes começados com a mesma letra, para não confundir o público. Por isso, existe uma Lista, elaborada por Eles, a Lista Secreta de Johns, que lista o diretor John de cada letra. Assim, no topo da lista há o John A..., e no fim o John Z..., e no meio todos os outros. As concessões feitas por eles são as seguintes: Johns de épocas diferentes podem tem sobrenomes iniciados com a mesma letra, assim como Johns de mídias diferentes. Frankenheimer, que foi um diretor sobretudo televisivo, podia conviver na indústria com Ford, que era mais antigo e cinematográfico. Ainda assim, frequentemente há disputa entre Johns pelo controle da primeira letra do sobrenome. Frankenheimer, quando decidiu dirigir filmes de cinema, desafiou Ford para uma luta no Ringue Lamacento dos Johns, mas, por cima de seus óculos redondos, o bom e velho Ford fustigou-o com o olhar e se negou a praticar tal baixeza. Foi aí que Eles decidiram ser mais flexíveis quanto à temporalidade dos diretores, e resolveram que somente Johns contemporâneos não poderiam ter o sobrenome começado com uma letra repetida. Isso livrou Cassavetes e Carpenter de lutarem na lama, assim como Huston e Hughes. Mas não livrou a mim.

Comecei a dirigir, produzido por Ruther Cardigan, no meio dos anos 60 (anos de amor e barato), na mesma época em que Boorman solidificava sua carreira. Como ele era um estrangeiro desbravador da indústria-do-cinema de NGP, e eu somente um dos muitos aspirantes a diretor patrocinados por Cardigan, desafiei-o para uma luta no Ringue Lamacento dos Johns. Essas lutas costumam seguir um padrão muito rígido, ditado por um dos Apêndices da Lista Secreta dos Johns. Os dois diretores devem estar usando somente meias brancas e uma sunga-calção de borracha, e deve haver somente uma fonte de luz no recinto, ou seja, a lâmpada da luminária que pende do teto. A luta se dá dentro de uma piscina de dois mil litros repleta de lama (i.e., água com terra) sem impurezas. O raio de um metro da borda da piscina deve permanecer vazio, e após este a platéia pode se amontoar à vontade. A posição inicial é os dois oponentes com as mãos nos ombros do outro (a menos que um deles não tenha um ou mais braços, nesse caso o candidato com o maior número de braços leva o sobrenome), e ganha quem mantiver o outro com a cara sob a lama por um minuto primeiro, embora a luta possa, segundo o Apêndice, continuar após isso.

Como atesta o fato de Boorman ostentar vergonhosamente seu sobrenome por aí, enquanto eu preciso me esconder atrás desse enigmático e pobre John B., eu fui derrotado. Dei uma bela surra nele, é verdade, mas antes disso ele me manteve sob a lama tempo suficiente para garantir a vitória. Desse modo, hoje eu ando por aí sem sobrenome, somente uma letra que pode levar a um número quase infinito de caminhos, até os mais idiotas, tipo “Bostão” ou “Bastardo”, só porque o Boorman enfiou minha cara na lama durante um minuto. Merda. Odeio lembrar essa história, mas fazer o que, é a Verdade. Pelo menos meus filmes são melhores que os dele.

Addendum: Esqueci de dizer que a Lista Secreta de Johns só contempla os diretores de Nosso Grande País, ou que trabalharam sobretudo por aqui, por isso caras como Woo não precisam competir com Waters; e obviamente não há nenhum conflito em haver cineastas chamados João, Giovani, Juan, Ivan ou mesmo o ubíquo Jean, que domina a Gália com seus Epstein, Renoir, Cocteau, Vigo, Luc Godard, etc., ad infinitum, e provavelmente tem sua própria Lista de Controle.
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3 comentários:

João G. Viana/Pudim disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
João G. Viana/Pudim disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Juka disse...

MINHA CABEÇA EXPLODIU.
poha, to naquele estado pós-tuma já conhecido por muitos (ou, ao menos, por mim e pelo pudim). Meio abobalhada.
COMO CONSEGUE?
Só você consegue ser claramente confuso, só você escreve uma coisa absurda fazendo total sentido.

pqp, mitou muito.

aliás, concordo com uma coisa... [censurado] é realmente uma bosta de título, convenhamos. aheuaheau