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Bromélio, 80 anos, vive há mais de 20 no condomínio. Sua barba já lhe valeu, ao longo do tempo, os apelidos mais óbvios e diversos. Gandalf, Papai Noel, até mesmo Pai-Mei – esse vindo de um cidadão com alguma dificuldade em discernir entre os diversos tipos de pêlo facial. Como um bom ancião, tem as manias mais inconvenientes e irredutíveis. Uma delas, talvez a mais inofensiva, e ao mesmo tempo a mais característica de sua personalidade, é a de usar o vocativo “minha filha” para se referir a todas as pessoas. Quando ele encontra Joana, sua única descendente, parida pela mãe há 47 anos, pouco antes que a referida morresse, diz, com a voz elevando-se:
- Joana, minha filha!, há quanto tempo!
Do mesmo modo, ao encontrar a síndica, Sra. Fomm, entregando a correspondência, ele pergunta, com o mesmo tom de voz:
- Sra. Fomm, minha filha!, tem alguma coisa para mim?
Ocasionalmente, Bromélio desce para tomar um pouco de sol e apreciar o ar fresco de sua rua movimentada. Aproxima-se lentamente da portaria, pé ante bengala, e com um toque mole de seu punho na portinhola da casinha do porteiro, proclama, fazendo-se ouvir.
- Seu Zé, minha filha!, pode abrir a porta da rua para mim?
Uma vez por semana, o ancião visita a própria mãe, de 99 anos, no asilo municipal. Nesses dias, ele é tomado pela melancolia, triste de não poder ficar com a mãe por ele próprio precisar de cuidados, e ciente de que em poucos anos Joana, sua filha, o colocará num asilo também, e também ela somente lhe concederá a presença, o bálsamo para a saudade, uma vez por semana. Bromélio caminha lentamente, receoso, pelos corredores pastel do asilo, e quando a enfermeira abre a porta do quarto de sua mãe, e revela a imagem daquela mulher curvada sobre uma cadeira de rodas, olhando serenamente para o jardim, ele sorri, e com a voz mansa, diz soprando para ela:
- Mãe, minha filha, como você está linda!
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Um comentário:
Esse texto é simplesmente incrível. Quase chorei, sério!
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